Foi um domingo, sete de setembro de 2004 e ao final daquele dia em que meu marido havia até aprendido “a dança da mãozinha”, e ela que sabia e dançava com graça, celebrávamos a remissão da leucemia. Depois de um dia tão divertido, percebemos o seu abdômen distendido o que nos deixou preocupados, pois já sabíamos, no fundo, bem no fundo do coração, que a leucemia havia novamente se manifestado. Naquele mesmo dia a mão trêmula segurou o telefone e meu ouvido ouviu, como sussurro, a ordem médica a retornar ao hospital já na segunda-feira bem cedinho. Não deu outra. Confirmado. Era a leucemia dando ares de desespero novamente; mas, como já previamente preparados, havíamos realizados todos os testes de compatibilidade para um eventual transplante de medula óssea já que em recidiva da doença, certamente, ela não suportaria novamente o tratamento com quimioterapia.
Era Janeiro daquele ano. Fomos a família para Belo Horizonte iniciar os exames para constatação da compatibilidade sanguínea para, em uma situação como aquela, proceder-se o transplante de medula óssea. O resultado saiu. Ganhamos na loteria. Dentre três, dois eram compatíveis, meu marido e minha outra filha. Dois dentre três repetíamos em êxtase. Incrível.

Iniciados os contatos e as formalidades nos deslocamos para São Paulo em busca da cura, único meio então para combater a doença. Era outubro, na noite do dia das eleições municipais daquele ano. Partimos. Frio, cinzento, o ar daquela cidade nos causou espanto e a ambulância encostou na porta do GRAAC e percebemos como tantas crianças sofriam a dor de enfrentar o câncer. Mas estávamos tranquilos. Tínhamos a chance de cura e aquelas outras crianças? Tinham a mesma sorte? Estavam na fila para transplante, haviam doadores? Não tínhamos resposta. Certo é que muitas crianças, desde bebês até adolescentes e jovens, ali procuravam tratamento para o câncer que se manifestava a eles em diversas de suas formas.
Para nós e minha filha, o transplante de medula óssea era a única solução. Nossa filha iniciou os exames e, em onze de novembro daquele ano, meu marido não sentiu nada. Sentiu apenas uma agulha. Uma agulhada, nada mais. Foi a anestesia. Em um procedimento bem simples, a equipe médica extraiu as células tronco e, em seguida, houve a transfusão sanguínea para aquele corpo que sofria há um ano com sessões de quimioterapia e radioterapia sem mencionar as intercorrências dos efeitos colaterais da medicação. Ele nem sentiu, não viu. Quando acordou, estava no quarto ao lado de nossa menina que recebia a transfusão e a chance de cura. Entre sorrisos e lágrimas de ver aquela pequena rindo, brincando na cama do hospital, fazendo graça, e iniciamos ali a caminhada da recuperação.
O transplante foi um sucesso. A sua medula foi povoada pelas novas células que produziam o sangue novo até que descobriu-se que algumas células leucêmicas haviam sobrevivido ao tratamento e novamente vieram a invadir sua medula óssea e um novo transplante já não era mais possível. O câncer ressurgiu. Valeu! Fizemos o que estava ao nosso alcance. Lutamos, tivemos a chance de transplantar nossa pequena e não podíamos esquecer quantas outras crianças não tiveram nem mesmo esta chance. Foi apenas uma agulhada. Coisas do destino. Nossa luta terminou quando, em vinte e cinco de agosto do ano de 2005, eu e meu marido, cada um segurando uma de suas mãozinhas no tempo que restava antes de ela partir, sentimos a dor no peito que antecipava o que estava para acontecer nos próximos minutos e, em um suspiro, de segundos, mas transformado em um filme eterno que se projetou no céu de nossa alma, sentimos a vida dela se esvair. Ela se foi!
Ao sair daquele quarto deixando aquele corpo imóvel, sem vida, ainda vimos o salão do Hospital cheio de crianças aguardando a vez de terem a chance de chegar ao transplante de medula óssea. Fizemos de tudo! Para ela, a esperança; para meu marido, apenas uma agulhada.
Eliana e Vicente, casados há 22 anos, são advogados na cidade de Formiga-MG. Eliana fez sua monografia na conclusão do curso de Direito sobre Transplante e Doação de Órgãos e, desde 2009, ministra aulas esporádicas sobre o tema para alunos da matéria de Biodireito na UNIFOR MG.
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Muito impactada com essa história. Que luta!!! A vida é esse DOM supremo que lutamos para mantê-la. Esse texto tocou fundo em mim. Somente Deus para consolar o coração de vocês!!!
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Uma alegria ver essa história compartilhada aqui para o mundo!
Muito feliz em ler o testemunho de doação e superação desta família!
Eu fiz meu cadastro de doadora de medula óssea quando morava em Campinas, e essa campanha me fez lembrar que preciso atualizar!
Obrigada por compartilharem com a gente!
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Nossa que forte história desta família!
Esse testemunho só me impulsiona a buscar que muitas pessoas se cadastrem no REDOME e sejam doadoras de médula óssea! Sejam doadoras de esperança e vida!!! Eu já sou doadora e atualizei meu cadastro, espero que um dia seja compatível com alguém que necessite.
Obrigado por compartilharem!
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